A inclusão produtiva contra os desafios da desigualdade social

Artemisia
4 min readAug 30, 2024

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A pandemia aprofundou o fosso das desigualdades e os maiores custos serão pagos por crianças e adolescentes. A perda de aprendizado — em um país onde a ascensão socioeconômica está estreitamente ligada à educação formal — reduzirá os salários dessa geração no porvir.

Para se ter uma ideia da gravidade, as perdas com a educação remota foram de cerca de 20%, o que levará a uma redução de rendimentos futuros equivalentes a 9% do PIB (Produto Interno Bruto), de acordo com análise do economista Ricardo Paes de Barros. Estamos diante da geração mais desigual .

Créditos: Alexandre Cerqueira

No país, a pandemia comprometeu o presente e o futuro, sobretudo da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O cenário traz a demanda de uma articulação social ampla com o objetivo de diminuir a desigualdade e criar reais oportunidades de desenvolvimento humano.

Um conceito que pode pontuar iniciativas necessárias à nação para endereçar o desafio social e nos ajudar a superar processos crônicos de exclusão é a inclusão produtiva.

Difundida no Brasil pela Fundação Arymax, a inclusão produtiva reúne todos os mecanismos — políticas públicas, programas, projetos sociais e serviços — que visam gerar renda para grupos sociais vulneráveis e excluídos dos mercados formais de trabalho e do empreendedorismo. O aumento de renda por meio de um trabalho digno ou a operação de um negócio próprio é um meio necessário, além de outras medidas, para garantir uma melhoria na qualidade de vida da população.

As áreas de atuação da inclusão produtiva são diversas e passam pelo desenvolvimento de pequenos produtores rurais, pela empregabilidade em espaços urbanos e pelo fomento ao empreendedorismo nas camadas sociais de menor renda.

Foi pensando nesse último pilar — empreendedorismo de nano, micro e pequenos negócios — que a Artemisia constituiu, em 2020, uma articulação na qual reúne atores do ecossistema em uma mesma coalizão. Por meio da implementação direta de projetos que visam apoiar esses empreendedores na digitalização dos negócios e no aumento de produtividade, até ações de apoio a gestores públicos no tema, a coalizão busca produzir evidências e compartilhar aprendizados para contribuir para o debate e o avanço na discussão da inclusão produtiva no país.

No Brasil, as micro e pequenas empresas geram 27% do PIB e são responsáveis por mais de 50% dos empregos com carteira assinada do setor privado, respondendo por 32% das exportações em 2020 (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos-Brasil). Em 2020, 44 milhões de brasileiros estiveram à frente de um negócio (Global Entrepreneurship Monitor, 2020): micro, pequenas e médias empresas, além de empreendedores informais.

Ao considerar nano, micro e pequenos negócios, observamos que não existe uma representação única ou consensual. Ao contrário, a literatura e as intervenções de apoio enfrentam uma pluralidade de perfis e necessidades que trazem complexidade para a definição de estratégias eficientes. Entre os recortes e as intersecções que ilustram e determinam a diversidade estão o setor de atividade, o território, a identidade sociodemográfica (gênero, raça/cor, classe social, idade), a motivação inicial para empreender (oportunidade ou necessidade), o estágio de maturidade do negócio, a formalidade, o porte do negócio, o grau de inovação e o ecossistema local, apenas para citar alguns.

Nesse conjunto de circunstâncias, citamos o empreendedorismo por necessidade, determinado pelo ingresso no empreendedorismo de cidadãos que deixaram de acessar uma renda suficiente — formal ou informal — no mercado de trabalho e passaram a gerenciar um negócio como alternativa de subsistência, mesmo que temporariamente.

Em 2020, 82% dos brasileiros que se lançaram na administração de um negócio o fizeram por falta de emprego (Global Entrepreneurship Monitor, 2020). Caracterizado principalmente por classes de renda mais baixas, esses empreendedores sofrem com a maior precarização dos seus negócios e necessitam, possivelmente, de outras ações complementares, principalmente em termos de proteção social.

A INCLUSÃO PRODUTIVA REÚNE TODOS OS MECANISMOS PARA GERAR RENDA PARA GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS E EXCLUÍDOS DOS MERCADOS FORMAIS DE TRABALHO E DO EMPREENDEDORISMO

Como ponto de partida para pensar em inclusão produtiva de maneira crítica e racional, destacamos a convergência entre esses empreendedores: a baixa produtividade dos negócios — que resulta em riscos maiores de mortalidade prematura dos empreendimentos e na precarização da vida dos empreendedores e familiares.

Portanto, são duas questões que buscamos responder com as intervenções da disciplina: como propiciar que os nano, micro e pequenos empreendedores possam digitalizar os seus negócios e aumentar a sua produtividade; e como promover um ecossistema empreendedor mais justo, ou seja, gerador de ações afirmativas de inclusão e curador de dinâmicas de exclusão.

Espelhando a heterogeneidade no perfil empreendedor tradicional, as estratégias de inclusão empreendedora são igualmente plurais: inclusão financeira, educação empreendedora, desburocratização, desenvolvimento econômico local, infraestrutura e, como resposta à pandemia, o fomento à inovação e à inclusão digital.

Uma peculiaridade é o caráter estrutural: a exclusão produtiva é complexa e sobretudo atinge o país como um todo. Por consequência, acreditamos que seja propício o desenvolvimento de soluções que promovam mudanças sistêmicas. Para superarmos a exclusão produtiva, entendemos que é preciso um esforço colaborativo dos atores do ecossistema em prol da articulação de intervenções complementares e programas multidisciplinares.

O abismo social agravado pela pandemia sugere a urgência de discutirmos o propósito da atividade econômica. Estamos falando de um debate qualificado, no qual o desenvolvimento econômico (inclusivo e sustentável) se torna um instrumento para que a sociedade lide com as reais necessidades dos cidadãos e das cidadãs, sobretudo os mais vulneráveis.

Maure Pessanha é graduada em administração pela FEA-USP, possui especialização em Avaliação de Programas Sociais pela USP. É presidente do Conselho da Artemisia.

Priscila Martins é pós-graduada em Gestão de Negócios pela ESPM, com MBA em Gestão de Negócios Socioambientais pela FEA-USP. É diretora de Relacionamento Institucional da Artemisia.

Florian Paysan é graduado em engenharia agronômica e especializado em Gestão da Inovação e Desempenho das Empresas pela AgroParisTech.

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